segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Fabricação




Um movimento desencadeia
movimentos de máquina e solidão:
o prisioneiro se vai caminho
e, à tona, o choro desenferruja
as engrenagens do peito,
as dores do músculo.

As peças fabricadas em série,
os movimentos cegos do corpo
e as montagens dos momentos:
tudo é produto da massa
que solda os fios da vida
e solta o cegos de mãos vazias.

A fábrica da vida
é só isso, por metáfora dizer:
bater martelos nos
parafusos da cabeça
a largar os loucos
fora de suas casas,
longe de seus amores.
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terça-feira, 23 de setembro de 2008

Tatuagem



O que marca
a pele na pessoa
que existe
do outro

O que troca
o pelo ao passo
que morre
o eu antigo

O que resiste
ao interesse
que persiste

O culto parado
e história
se contando.
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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Representação do amor na idade da pedra esculpida



Lasco pedra
e parto ao meio
o cio que veio
e agora espera
do amor o casco.

Tasco pedra
no vazio do prato
e dou a comida
mais cabo que rabo
lambendo os cascos.

Masco os fumos
das fêmeas
na língua do frêmito
que evapora no calor
das horas gozosas.

No cume do molde
me vejo em névoa
na ponta da pedra:
escultura ou só barro
quente em orgasmo?

Findo e fundo o afã,
não há respostas
por quê acamados
da fúria até a calma
amantes, cio e pele.
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sábado, 28 de junho de 2008

A serviço da palavra




A palavra é uma foda
e também uma corda:
recai em prazer
e morte em vários corpos.

Alguns declaram amor,
outros se enforcam.
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segunda-feira, 19 de maio de 2008

Badalada



Estridentes as mãos, cantavam os olhos.
Batendo os pés bailavam os gestos.
Sorrindo os braços se davam aos pares.

Em seus saltos sorrisos, soltos os braços.
Soavam os sinos em passos humanos.
Choravam em gotas os solitários.

Em moinhos de dança Quixote estava.
Lutando astuto, cantando distinto.
No paço, batalhas com seus gigantes.

De bailada dia e noite não havia
outra amiga que encontrasse em sua vida
pois de badalada assim bela dama ele tinha.

Em tempos distantes, em corpos amantes,
se sonhos ou não, do suor dos rostos
ficaram pra sempre senhor e senhora do baile.
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quinta-feira, 8 de maio de 2008

Instante




O ESPAÇO FEITO
(O AR É RAREFEITO)

SÃO OS MITOS
(SÃO MUITOS)

E OS PUDORES
MADUROS AFLORANDO
COM CERTEZA DE VIDA.

A VIDA É
CONTRASTE DAS CENAS
(AS MENTIRAS PARECEM PEQUENAS)

DOS TAKES
(TUDO NÃO PASSA DE ENFEITES)

DAS SINAS
AO BATER DOS SINOS
E DOS FEITOS.

VOCÊ É A VIDA,
O PRIMEIRO E O ÚLTIMO CÁLICE
DA IMPUREZA DOS EXTREMOS.

VOCÊ É A VIDA
DESDE O PRIMEIRO INSTANTE.

VOCÊ É A VIDA
ATÉ O ÚLTIMO CÁLICE.

VOCÊ É A VIDA
DESDE O PRIMEIRO MOMENTO
ATÉ O ÚLTIMO CÁLICE.
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segunda-feira, 28 de abril de 2008

Eu não existo sem você (Tom Jobim e Vinícius de Moraes)




Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você

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terça-feira, 22 de abril de 2008

O amor naufragado



Quando eu pensei saber tudo sobre Deus,
que os mortos não voltavam
e o passado era uma estátua de sal
para não ser contemplada
eis que o mar invade minha jangada
numa torrente de águas rebeldes,
em tempestade de repente.

Não havia sereias em alto mar,
não passavam navios para me salvar
nem qualquer baleia para me engolir
e eu ficar aquecido em seu ventre.

Percebi que muita gente estava
no fundo do oceano a me chamar
pelo nome, com suas vidas em minha vida
porque seus destinos foram como
o meu - de abandonar a ilha e saber
que no fim todos estamos submersos.

Então eu pensei ter visto uma pessoa
entre os fantasmas de sorrisos amarelos,
com seus olhos fechados, suas sombras vazias.

Por onde andava não sei
o que dizia não pude ouvir
nem destingüi o tamanho de seu rosto
pelo que havia restado na memória,
pelo que insistia permanecer
de seus olhos mirando os meus
e seu silêncio calando meus lábios.

Quem era a pessoa de cabelos longos
no desenho da multidão
figurando como retrato
deixando largo um sorriso
em meio a morte, ao longo da vida...

Seus rastros eram os mesmos
de muita gente que me seguia
nos meus passos
e isto me confundia e me chamava
para perto da rua onde se davam
os fatos, as pessoas e seus amores
que era pouca a explicação
do que ali fazia aquele corpo
com um seus modos diferentes
do que um dia eu conhecera.

Tinha na face uma força
diferente e parecia ter
perdido seus mistérios e sua flama,
restava somente uma luz, um desenho
contorno de alguém que eu acho
que um dia existiu
num livro lido
numa peça de teatro, conto universal.

Para o fim da tempestade restou
meu corpo naufragado com saudades,
meu suor misturado ao cansaço das ondas,
meu fim justificado no meio do mar,
uma calma de quem não podia lutar,
a certeza que por mãos de Caronte
vinha o que os homens negavam
e Deus julgava ser um instante
e uma passagem para uma vida secreta
àqueles que se perdem na terra dos viventes.
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terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Perplexidade



Existem dias que ninguém explica:
nem a força de Deus,
nem o acaso dos homens
e eu me pergunto
se tudo é assim incerto
se tudo é assim é ao menos
se o alvo nunca é certo
se a escuridão é mais que vemos.

Existem dias que ninguém explica:
nem as palavras dum poema,
nem um sonho degenerado
e eu só desejo
continuar com minha tristeza
continuar com minha andança
continuar com minha surpresa
de não saber o que me cansa.

E o que me desanima, e enfada,
como que encantamento é
só essa falta de explicação,
esse caminho tão longe,
esse vir que ninguém vê
um horizonte que não se alcança
nem mesmo com todas as mãos,
esse lugar em que não há onde
porque já não há no que se crer.
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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Saudade em óleo sobre tela




Um pouco de lua já faz grande o tempo
até que venham as luzes passando prisma.
Eu espero. Mas eu me canso da vaga das horas
com pessoas sob minha janela, carros marcando
pistas de pedestres, pontuando meus olhos
para que eu nunca me esqueça: estou aos longes.

Num pouco de sol, colorindo uma folha
estou entre histórias, canções, desenhos
e promessas, vitórias, e todos entre mim...

Tudo, na perspectiva de quem espera cantar os pássaros,
parece dissonância, separação, e saudade
porque, aqui, de minha vista no alto dos ladrilhos,
em um quadro natural de cimento e ferro,
com uns vidros de fechar o ar, eu sou relevo
sobre a festa, para lá da janela, para lá
debaixo das marcas que separam o mundo e eu.
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sábado, 2 de fevereiro de 2008

Necrológico




Morreu nesta manhã
de terça-feira um homem
qualquer que seja com nome
igual a tantos de sua procissão.

O indivíduo trajava
num terno a tragédia
de toda sua pele tomada de pedra,
como todos de sua língua dos anjos.

Seus olhos boiavam abertos
ainda ao susto de ter
suas botas roubadas e
seus dentes de ouro arrancados.

Queria andar, já não consegue
queria comer, perdeu sua fome
desejava beber, sua sede secou,
como o sangue sem correnteza.

Este é mais um dia comum,
e também um segredo ao lado
do lado de dentro de nossa cidade
onde nada se sabe do santo do dia.
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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

[Foi tanto o mar que se embraveceu]




Foi tanto o mar que se embraveceu
tanto céu que trovejou
que eu não vi quem me amou -
se foi gente, se foi pedra, ou se esqueceu...

E era vulto que fazia séculos
e uma expansão de terra e céu
até não mais ver o que eram mãos
nem mais saber os próprios pés.

Sente-se tremer a carne com um vento
e num passo em falso vê-se mais firme
como um vulcão quase tormento
se deixando explodir crime e comoção.

E ainda que se perca a paixão
o destino de todos é caminhar em busca
desta fronteira entre o que é amar
e a total desesperança frente ao desatino
da eternidade que a tudo mata
mesmo quando é amor o que fica...

Mas, enquanto vivo, eu, homem,
enquanto carne e cérebro,
penso ver que se desenha novamente
as linhas da serena, ave-de-vento,
tanto eu nunca em ver causei dúvida
ao ver a tempestade por mim passar.
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